quarta-feira, 11 de julho de 2007

Sem pedir licença


(texto de Rômulo Barbosa)

Não há experiência mais surpreendentemente bela do que acompanhar o crescimento dos filhos. A cada dia, uma novidade – nem sempre boa, é verdade -, mas uma novidade, que transforma nossas vidas e nos faz ainda menores frente à dádiva da existência humana.

Irmão de muitos irmãos, nunca dantes houvera percebido essa engenharia divina, até ser pai. Quando bebês, frágeis, delicadíssimos, queremos mostrá-los ao mundo como frutos do amor (ou de um amor), símbolos da sentença bíblica: "crescei-vos e multiplicai-vos".

Quando vão crescendo – e como crescem - , assola-nos a constatação do poeta Afonso Romano de Santana, revelada na crônica "Antes que elas cresçam": " Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos. É que as crianças crescem. Independentes de nós, como árvores, tagarelas e pássaros estabanados, elas crescem sem pedir licença. (...) Mas não crescem todos os dias, de igual maneira; crescem, de repente. Um dia se assentam perto de você no terraço e dizem uma frase de tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura ".

E eu vivo, todos os dias e como milhões de pais, essa saudável perplexidade oferecida pelos nossos rebentos. O meu filho-varão, que carrega – para protesto de alguns que vêem no fato algum pedantismo, e para orgulho futuro dele – o meu próprio nome, foi delicadamente apelidado por um amigo de "tsunami" e, depois, de "Conan, o bárbaro". Mas isso foi há dois anos... Hoje ele já tem... quatro... Isso mesmo, quatro aninhos. Já não risca as paredes, nem joga meu relógio (Mido) e celular (top de linha) do sétimo andar.

Agora é diferente. Quer testar as coisas. Felizmente temos rede de proteção na varanda. À repreensão de que se engolisse uma bateria – daquelas redondinhas para brinquedo – poderia morrer, acercou-se, certo dia, da cama onde eu cochilava e disse-me com um ar de orgulho: "papai, não morri!!!". Bem, eu tinha certeza disso, afinal, ele estava ali, diante de mim, exalando peraltice por todos os poros. E repetiu: "papai, não morri!!". Resolvi desvendar o mistério e, singelamente, perguntei-lhe: "não morreu por que, meu filho?". Ao que ele, entre triunfante, respondeu: "Engoli uma bateria e não morri!!". Eu quase morreria depois disso, entre ligações para médicos, raio-X e buscas das quais nós – a mãe e eu – preferíamos esquecer.

Doutra feita, na volta do colégio, tentei puxar conversa: "E aí, meu filho, como foi o dia na escola hoje?". "Legal, pai", replicou na bucha, sem demonstrar qualquer interesse no diálogo que eu queria estabelecer. Insisti: "E, então, o que você fez hoje?". "Tudoo que a tia mandou, pai". E nada mais foi dito nem perguntado, no trajeto de três minutos que separam nossa casa do colégio. Frustrado, até hoje não consegui descobri o que "a tia mandou".

O contato dele com a tecnologia foi cedo. Mal sabia falar e já foi flagrado mexendo no computador. Já tinha ligado estabilizador, monitor e CPU. Estava agora fazendo diatribes com o mouse e o teclado: "Que é que você está fazendo aí, meu filho?", inquiri em tom ameaçador. "Estou entrando na 'intenét', papai", respondeu, fazendo inveja ao Bill Gates.

A irmã, meu Deus, a irmã só vem com perguntas de alta complexidade. Tem oito anos e, aos seis e meio, no mesmo revelador caminho para a escola, o rádio tocando um hit da Rita, a Lee, apoderou-se do refrão da música e tascou: "o que é amor, papai?". Enquanto eu ganhava tempo para responder àquela indagação filosófica e ela, ao mesmo tempo, ouvia o resto da canção, emendou outra: "e sexo, papai?". Fiquei com raiva do programador da rádio. Não tinha nada que estar tocando essa música às sete e pouco da manhã. Que coisa!!!

E, agora, quer saber de tudo: "papai, qual o país mais tecnológico do mundo?; por que tanta violência nos telejornais?; por que a guerra no Iraque? E a Operação Navalha pai?". O quê, Como, Onde, Por quê? É bem verdade que, sendo filha de dois jornalistas, essas perguntas lhe tenham cabimento, mas...

Acho que é mais fácil preencher o formulário anual do IR do que ter tudo "na ponta da língua" para saciar a sede de conhecimento dos pimpolhos.

Conforta-me, mais uma vez, o mestre Romano de Santanna: "É que as crianças crescem. Independentes de nós, como árvores, tagarelas e pássaros estabanados, elas crescem sem pedir licença ."

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