quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Projeto contra o racismo inunda Salvador de painéis fotográficos

É a cidade mais negra do Brasil, segundo as estatísticas: mais de 75% da população de Salvador -2,6 milhões de habitantes ao todo- são negros ou mulatos. Presente nos romances de Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro, nas canções de Dorival Caymmi ou Carlinhos Brown, no candomblé e na capoeira, foi a primeira capital do país e o primeiro porto de chegada de escravos. Hoje é um dos focos da diáspora africana.

Até 16 de fevereiro, a capital do estado da Bahia, fundada em 1549, recebe a maior exposição ao ar livre de sua história: 1.501 painéis com fotografias de mulheres, crianças e homens afro-descendentes ocupam as fachadas de edifícios no centro e na periferia, espalham-se por praças e avenidas, deixam-se ver na entrada dos centros comerciais. No total, são 9.073 m2 com fotos como as das campanhas publicitárias que, paradoxalmente, costumam mostrar jovens modelos louras ou de pele clara.

O projeto Salvador Negroamor revela a bela face africana de Salvador da Bahia. Ele transforma a cidade em uma sala de exposição para os que não pisaram e jamais pisarão numa galeria de arte. Para tanto, o fotógrafo, publicitário e promotor cultural Sérgio Guerra, 45, retratou cerca de mil pessoas anônimas. Tenta dar destaque aos que não são visíveis, e provocar uma reflexão. "Vejo uma cidade dividida, preconceituosa e muitas vezes racista.

O conceito de cidade alta e cidade baixa aqui é literal", explicou no jornal "Correio da Bahia" esse pernambucano, filho de um político perseguido pela ditadura e de uma militante do movimento em defesa dos favelados. Há um abismo social e econômico determinado pela hierarquia de raças: o índice de pobreza é diretamente proporcional à cor da pele. Os níveis mais baixos de educação, os empregos menos atraentes e os piores salários são para os afro-descendentes.

Divulgar a cultura

Salvador Negroamor também é o nome de uma associação civil sem fins lucrativos cujos objetivos são combater o racismo, divulgar a cultura africana e afro-descendente, desenvolver projetos culturais, educacionais, sociais e econômicos com o fim de melhorar a qualidade de vida e das comunidades necessitadas; tentar estabelecer padrões de convivência, referências e exemplos em prol da democracia racial.

Além dos painéis espalhados por toda a cidade, foi publicado um livro com uma seleção dessas fotos - escolhidas entre mais de 16 mil - e um disco com gravações de filhos ilustres como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Margareth Menezes, Virgínia Rodrigues e Mateus Aleluia. A ONG Salvador Negroamor criou um portal de discussão e informação (www.salvadornegroamor.org.br). Também organiza uma escola para alfabetização de adultos e reforço escolar para filhos dos trabalhadores do mercado de São Joaquim. Essas ações deverão culminar com a criação de um fórum mundial africanista permanente em 2009.

Em um texto intitulado "Sinfonia em Negro", o escritor José Eduardo Agualusa diz: "Atenção, pois: estas não são só imagens destinadas a encantar; são, mais que isso, parte de um projeto político destinado a inquietar. É uma revolução que sai à rua". O primeiro movimento de uma sinfonia em negro, em "Muitas Cores", Paulinho Camafeu cantava: "Branco, se você soubesse / o valor que negro tem / tu tomava banho de piche, ficava preto também".

Fonte: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2007/02/13/ult581u1993.jhtm
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